. O costume de abençoar, no domingo anterior à Páscoa, ramos de palmeira, de oliveira ou de outras árvores, e de carregá-los em procissão, em memória da entrada triunfal oferecida pelos Judeus a Nosso Senhor, levou a dar a esse dia o nome popular sob o qual ele é conhecido. Segundo um costume preservado religiosamente em vários lugares, a procissão para em uma cruz, para aí ouvir o canto do Evangelho que narra essa peculiaridade da vida do Salvador. Como a cena é viva! Tudo ao redor, uma multidão composta por homens, mulheres, crianças, palmas na mão e o Hosanna nos lábios! Jesus Cristo também está lá, representado pela cruz, ou, melhor ainda, representado pelo padre! Com o canto da narração evangélica concluído, todos vêm adorar a cruz e desfolhar aos seus pés um galho de seus ramos.
Então todos começam a caminhar, para voltar para o lugar santo, onde um novo drama litúrgico nos espera.
A Igreja sabe que a entrada triunfal do Salvador na Jerusalém terrestre profetizava outro triunfo, em meio aos cânticos angélicos, na Jerusalém celeste. As portas da Cidade santa, fechadas desde o pecado de Adão, deveriam se abrir somente diante do troféu sangrento do Calvário. É este novo triunfo, no retorno da procissão, que as portas da Igreja representam, inicialmente fechadas, e, em seguida, cedendo ao poder da cruz, que por três vezes parece atingi-la vivamente, enquanto que vozes infantis, anjos da terra, entoam a mais suave melodia dos cânticos sagrados.
Acolhamos o ensino que nos é dado aqui: a cruz, ou seja, a dor, o trabalho, a provação, o sofrimento, podem sozinhos nos abrir o céu.
A Missa do domingo de Ramos gera um contraste surpreendente com a procissão: aos cânticos alegres, sucede-se a tristeza. Após o Evangelho do triunfo, a narração dolorosa da paixão, imagem da mudança repentina operada no povo judeu. Sua inconstância o fez passar subitamente da adoração ao ultraje, dos cânticos do Hosanna aos gritos do Crucifique-o.
Durante a Paixão, os fiéis seguram seus ramos na mão. De início, não nos damos conta dessa cerimônia. Porém, em seguida, se refletirmos sobre os opróbrios do pretório ou do Calvário, reconheceremos que eles foram a mais belo vitória obtida pelo Salvador. Pela cruz ele venceu a morte e o inferno. A palma, seu símbolo expressivo, cai bem com a narração de semelhante vitória.
No domingo de Ramos e na sexta-feira santa, a Paixão é ordinariamente cantada. O poder desse canto, executado em três vozes, é de um efeito sublime. Cada papel tem sua cadência particular, perfeitamente adaptada ao seu espírito. O do narrador é claro, nítido e fracamente modulado. O dos diversos interlocutores tem um tom vivo que quase se aproxima daquele da conversa familiar. O do Salvador é lento, grave e solene.
Em Roma, na capela Sistina, o coro torna essa narração magnífica. Todas as vezes que, na narração da paixão, a multidão dos judeus ou mesmo várias pessoas devem falar juntas, ele explode em uma harmonia simples, mas copiosa e, por assim dizer, maciço. Quando os judeus gritam: “Barrabás”, a música, como as palavras, é concisa e de uma energia terrível. Seu movimento vivo e refreado assume perfeitamente as vociferações de uma populaça furiosa. No coro das duas famosas testemunhas encontramos um dueto, onde as palavras se arrastam, como se cada interlocutor tomasse emprestadas as mentiras do outro. A música, às vezes dissonante, às vezes imitando-se mutuamente, torna a observação do Evangelista correta: “Suas testemunhas não concordavam entre si” (Mc 14, 58). Nada ultrapassa a doçura do tom com o qual são proferidas estas palavras: “Salve, rei dos judeus“. Não se poderia expressar melhor a língua da mais negra hipocrisia. Quanto à voz carregada da narração, ela se atenua gradualmente à medida que a catástrofe se aproxima, reduzindo-se quase a um suspiro depois das últimas palavras pronunciadas sobre a cruz, e morre completamente quando o Salvador expira[1]
A estas palavras da Paixão: “tendo inclinado a cabeça, ele expirou“, todos caem de joelhos e beijam a terra inundada pelo sangue redentor. Isso ocorre também para exprimir a reconciliação operada entre o céu e a terra nesta hora abençoada. Vimos que o beijo depositado pelo padre sobre o altar, após a Elevação, tinha o mesmo sentido.
DURAND, Abbé. A. Le culte catholique dans ses cérémonies et ses symboles. Tradução de Robson Carvalho, Paris, Jóuby et Roger, 1868, p.561-564.
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[1] Card. Wiseman, Conférences sur la Semaine sainte.
Fonte: Dominus Est