Lembrai-vos, Senhor, lembrai-vos da vossa Congregação que desde o princípio vos pertenceu, e em que pensastes desde toda a eternidade; que seguráveis na vossa mão onipotente, quando, com uma palavra, tiráveis do nada o universo; e que escondíeis ainda em vosso coração, quando vosso Filho, morrendo na Cruz, a consagrou por sua morte, e a entregou, qual precioso depósito, à solicitude de sua Mãe Santíssima.
Atendei aos desígnios de vossa misericórdia, suscitai homens da vossa destra, tais quais mostrastes a alguns de vossos maiores servos, a quem destes luzes proféticas, a um São Francisco de Paula, a um São Vicente Ferrer, a uma Santa Catarina de Sena, e a tantas outras grandes almas, no século passado e até neste, em que vivemos.
Onipotente Deus, lembrai-vos desta Companhia, ostentando sobre ela a onipotência de vosso braço, que não diminuiu, para dar-lhe a luz e produzi-la, e para conduzi-la à perfeição. Renovai os prodígios, fazei milagres novos, necessitamos o auxílio de vosso braço. Ó grande Deus que podeis fazer das pedras brutas outros tantos filhos de Abraão, dizei uma só palavra como Deus, e virão logo bons obreiros para a vossa seara, bons missionários para a vossa Igreja.
Deus de bondade, lembrai-vos de vossas antigas misericórdias, e, por essas mesmas misericórdias, lembrai-vos da vossa Congregação; lembrai-vos das promessas reiteradas que nos tendes feito, por vossos profetas e pelo vosso próprio Filho, de sempre atender favoravelmente a todos os nossos pedidos justos.
Lembrai-vos das preces que, desde tantos séculos, vossos servos e servas para este fim vos têm dirigido; venham à vossa presença Seus votos, seus soluços, suas lágrimas e seu sangue derramado, e poderosamente solicitem vossa misericórdia. Mas lembrai-vos sobretudo de Vosso amado Filho: Lançai os olhos sobre a face de Cristo. Contemplem vossos olhos sua agonia, sua confusão, o seu amoroso queixume no Jardim das Oliveiras, quando disse: Para que serve meu sangue? Sua cruel morte e seu sangue derramado altamente vos clamam misericórdia, a fim de que, por meio desta Congregação, seja seu império estabelecido sobre os escombros de seus inimigos.
Lembrai-vos, Senhor, desta Comunidade nos efeitos de vossa justiça. É tempo de cumprir o que prometestes. Vossa divina fé é transgredida; vosso Evangelho desprezado; abandonada vossa religião; torrentes de iniquidade inundam toda a terra, e arrastam até os vossos servos; a terra toda está desolada; a impiedade está sobre um trono; vosso santuário é profanado, e a abominação entrou até no lugar santo. E assim deixareis tudo ao abandono, justo Senhor, Deus das vinganças?
Tornar-se-á tudo afinal como Sodoma e Gomorra? Calar-vos-ei sempre? Não cumpre que seja feita a vossa vontade, assim na terra como no Céu, e que a nós venha o Vosso Reino? Não mostrastes antecipadamente a alguns de vossos amigos uma futura renovação de vossa Igreja? Não se devem os judeus converter à verdade? Não é esta a expectativa da Igreja?
Não vos clamam todos os santos do Céu: “Justiça!”.
Não vos dizem todos os justos da terra: Amém, vem, Senhor Jesus!
Não gemem todas as criaturas, até as mais insensíveis, sob o peso dos inumeráveis pecados de Babilônia, pedindo a vossa vinda para restabelecer todas as coisas?
Senhor Jesus, lembrai-vos de dar à vossa Mãe uma nova Companhia, a fim de por ela renovar todas as coisas, e a fim de terminar por Maria Santíssima os anos de graça, assim como por ela os começastes.
Dai filhos e servos à vossa Mãe: quando não, fazei que eu morra. É por vossa Mãe que vos imploro.
Lembrai-vos de suas entranhas e de seu seio, e não rejeiteis minhas súplicas; lembrai-vos de quem sois Filho, e atendei-me; lembrai-vos do que ela é para vós e do que sois para ela, e satisfareis a meus votos.
Que vos peço eu? Nada em meu favor, tudo para vossa glória.
Que vos peço eu? O que podeis, e até ouso dizer, o que deveis conceder-me, como verdadeiro Deus que sois, a quem todo o poder foi dado no Céu e na terra, e como o melhor dos filhos, que amais infinitamente vossa Mãe.
Que vos peço eu? Sacerdotes, livres de vossa liberdade, desprendidos de tudo, sem pai, sem mãe, sem irmãos, sem irmãs, sem parentes segundo a carne, sem amigos segundo o mundo, sem bens, sem embaraços, sem cuidados, e até sem vontade própria.
Escravos de vosso amor e de vossa vontade; homens segundo vosso coração, que, sem vontade própria que os macule e faça parar, executem todas as vossas vontades, e derrubem todos os vossos inimigos, quais novos Davis, com o cajado da Cruz e a funda do Santíssimo Rosário, nas mãos. Almas elevadas da terra e cheias do celeste orvalho, que, sem obstáculos, voem de todos os lados, movidos pelo sopro do Espírito Santo. Em parte, foi delas que tiveram conhecimento vossos profetas, quando perguntaram! Quem são estes que voam como nuvens? Almas sempre à vossa mão, sempre prontas a obedecer-vos à voz de seus superiores, como Samuel: Eis me aqui; sempre pronto a correr e a sofrer tudo por vós e convosco, como os apóstolos: Vamos nós também para morrer com Ele.
Verdadeiros filhos de Maria, vossa Mãe Santíssima, engendrados e concebidos por sua caridade, trazidos em seu seio, presos a seu peito, nutridos de seu leite, educados por sua solicitude, sustentados por seus braços e enriquecidos de suas graças. Verdadeiros servos da Santíssima Virgem, que, como outros tantos Santos Domingos, vão por toda parte, com o facho lúcido e ardente do Santo Evangelho na boca, e na mão o Santo Rosário, a ladrar, como cães fiéis, contra os lobos que só buscam estraçalhar o rebanho de Jesus Cristo; que vão, ardendo como fogos, e iluminando como sóis as trevas deste mundo; e que, por meio de uma verdadeira devoção a Maria Santíssima, isto é, uma devoção interior, sem hipocrisia; exterior, sem crítica; prudente, sem ignorância; terna, sem indiferença; constante, sem versatilidade, e santa, sem presunção, esmaguem, por todos os lugares em que estiverem, a cabeça da antiga serpente, a fim de que a maldição que sobre ela lançastes seja inteiramente cumprida.
É verdade, grande Deus, que o mundo há de armar, como predissestes, grandes ciladas ao calcanhar dessa mulher misteriosa, isto é, à pequena Companhia de seus filhos que hão de surgir perto do fim do mundo; é verdade que há de haver grandes inimizades entre essa bendita posteridade de Maria Santíssima e a raça maldita de satanás: mas é essa uma inimizade toda divina, a única de que sejais autor.
Porém esses combates e essas perseguições dos filhos da raça de Belial contra a raça de vossa Mãe Santíssima só servirão para melhor fazer resplandecer o poder de vossa graça, a coragem da virtude dos vossos servos, e a autoridade de vossa Mãe, pois que lhes destes, desde o começo do mundo, a missão de esmagar esse soberbo, pela humildade de seu coração. Não é melhor para mim morrer do que vos ver, meu Deus, todos os dias tão cruel e impunemente ofendido, e a mim mesmo ver todos os dias em risco de ser arrastado pelas torrentes de iniquidade que aumentam a cada instante, sem que nada se lhes oponha? Ah! Mil mortes me seriam mais toleráveis.
Enviai-me o socorro do Céu, ou senão chamai a minha alma. Sim, se eu não tivesse a esperança de que, mais cedo ou mais tarde, haveis de ouvir este pobre pecador, nos interesses de vossa glória, como já ouvistes a tantos outros: pedir-vos-ia do mesmo modo que o profeta: Tirai-me a vida. A confiança que tenho em vossa misericórdia faz-me, porém, dizer com outro profeta: Não morrerei, mas viverei para narrar as obras do Senhor; até que com o velho Simeão possa dizer: Agora Senhor, deixai vosso servo morrer em paz, pois meus olhos viram a Vossa salvação... Divino Espírito Santo, lembrai-vos de produzir e de formar filhos de Deus, com Maria, vossa divina e fiel Esposa. Formastes Jesus Cristo, cabeça dos predestinados com ela e nela, e com ela e nela deveis formar todos os seus membros; nenhuma pessoa divina engendrais na Divindade, mas só vós, unicamente vós, formais todas as pessoas divinas, fora da Divindade, e todos os santos que têm existido e hão de existir até ao fim do mundo, são outros tantos produtos de vosso amor unido a Maria Santíssima.
O reino especial de Deus Pai durou até o dilúvio, e foi terminado por um dilúvio de água; o reino de Jesus Cristo foi terminado por um dilúvio de sangue, mas vosso reino, Espírito do Pai e do Filho, está continuando presentemente, e há de ser terminado por um dilúvio de fogo, de amor e de justiça. Quando virá esse dilúvio de fogo do puro amor, que deveis atear em toda a terra de um modo tão suave e tão veemente que todas as nações, os turcos, os idólatras, e os próprios judeus hão de arder nele e converter-se? Seja ateado esse divino fogo que Jesus Cristo veio trazer à terra, antes que ateeis o fogo de vossa cólera, que há de reduzir tudo a cinzas.
Enviai vosso Espírito e tudo será criado e renovareis a face da terra. Enviai à terra esse Espírito todo de fogo, para nela criar sacerdotes todos de fogo, por cujo mistério seja a face da terra renovada, e reformada por vossa Igreja. É uma congregação, uma assembléia, uma seleção, uma escolha de predestinados que deveis fazer no mundo e do mundo. É um rebanho de pacíficos cordeiros que deveis ajuntar entre tantos lobos: uma companhia de castas pombas e de águias reais entre tantos corvos; um enxame de laboriosas abelhas entre tantos zangãos; uma manada de céleres cervos entre tantos cágados; um batalhão de leões destemidos entre tantas lebres tímidas. Ah! Senhor: Congregai-nos dentre as nações; congregai-nos, uni-nos, para que de tudo se renda toda a glória ao vosso nome Santo e Poderoso.
Predissestes esta ilustre Companhia a vosso profeta, que dela fala em termos muito obscuros e misteriosos, mas divinos. Qual é, Senhor, essa chuva voluntária que separastes e escolhestes para vossa enfraquecida herança, senão esses santos missionários, filhos de Maria vossa Esposa, aos quais deveis congregar e separar do mundo, para bem de vossa Igreja, tão enfraquecida e maculada pelos crimes de seus filhos?
Quais esses animais e esses pobres que hão de habitar em vossa herança, e ser aí nutridos com a divina doçura que lhes haveis preparado, senão esses pobres missionários abandonados à Providência e transbordantes de vossas delícias divinas; esses misteriosos animais de Ezequiel, que hão de ter a humanidade do homem, por sua desinteressada e benfazeja caridade para com o próximo; a coragem do leão por sua santa cólera e por seu ardente e prudente zelo contra os demônios e filhos de Babilônia; a força do boi por seus trabalhos apostólicos e pela mortificação contra a carne; e finalmente a agilidade da águia, por sua contemplação em Deus?
Tais são os missionários que quereis enviar à vossa Igreja. Terão olhos de homem para o próximo, olhos de leão contra vossos inimigos, olhos de boi contra si próprios, e olhos de águia para vós. Esses imitadores dos apóstolos pregarão, com grande força e virtude, e tão grande, tão esplêndida, que hão de comover todos os espíritos e todos os corações nos lugares em que pregarem. A eles é que haveis de dar vossa palavra; e até mesmo vossa boca e vossa sabedoria, à qual nenhum dos vossos inimigos poderá resistir.
Entre esses prediletos vossos, ó amabilíssimo Jesus, é que tomareis vossas complacências na qualidade de Rei das virtudes, pois que em todas as suas missões não hão de ter por objeto senão dar-vos toda a glória das vitórias que alcançarem sobre vossos inimigos. Por seu abandono à Providência e pela devoção a Maria Santíssima terão as asas prateadas da pomba: isto é, a pureza da doutrina e dos costumes; e douradas as costas, isto é, uma perfeita caridade para com o próximo, para suportar-lhe os defeitos, e um grande amor a Jesus Cristo, para levar a sua Cruz.
Só vós, ó Jesus, como Rei dos Céus e Rei dos reis, haveis de separar do mundo esses missionários, como outros tantos reis, para torná-los mais brancos que a neve sobre a montanha de Salmon, montanha de Deus, montanha abundante e fértil, montanha forte e coagulada, montanha em que Deus se compraz maravilhosamente, e na qual habita e há de habitar até ao fim.
Qual é, Senhor Deus de verdade, essa montanha misteriosa de que nos dizeis tantas maravilhas, senão Maria, vossa diletíssima Esposa, cuja base pusestes sobre o cimo das mais altas montanhas? Felizes e mil vezes felizes os sacerdotes que tão bem elegestes e predestinastes para convosco habitar nessa abundante e divina montanha, para aí se tornarem reis da eternidade, pelo desprezo da terra e pela elevação em Deus; para aí se tornarem mais brancos que a neve pela união a Maria, vossa Esposa toda formosa, toda pura e toda imaculada; para aí se enriquecerem do orvalho do Céu e da fecundidade da terra, de todas as bênçãos temporais e eternas de que está toda cheia Maria Santíssima.
É do alto dessa montanha que hão de lançar, quais novos Moisés, por suas ardentes súplicas dardos contra seus inimigos, para prostrá-los ou para convertê-los; é sobre essa montanha que hão de aprender da própria boca de Jesus Cristo, que aí está sempre, a inteligência das suas oito Bem-Aventuranças; é sobre essa montanha de Deus que com ele hão de ser transfigurados, como no Tabor, que hão de morrer com ele, como no Calvário, e que hão de subir com ele ao Céu, como na montanha das Oliveiras.
Só a vós compete formar por vossa graça essa assembléia; se o homem meter mãos à obra antes de vós, nada se fará; se quiser misturar o que é dele com o que é vosso, estragará tudo, destruirá tudo. É trabalho vosso, grande Deus, fazei uma obra toda divina; ajuntai, chamai, convocai de todas as partes de vossos domínios vossos eleitos para deles fazer um exército contra vossos inimigos. Vede, Senhor Deus dos exércitos, os capitães que formam companhias complexas, os potentados que ajuntam numerosos exércitos, os navegadores que reúnem frotas inteiras, os mercadores que se congregam em grande número nos mercados e nas feiras!
Quantos bandidos, ímpios, ébrios e libertinos se unem em massa contra vós todos os dias, e isto com tanta facilidade e prontidão! Basta soltar um assobio, rufar um tambor, mostrar a ponta embotada de uma espada, prometer um ramo seco de louros, oferecer um pedaço de terra amarela ou branca; basta, em poucas palavras, uma fumaça de honra, um interesse de nada, um mesquinho prazer animal que se tem em vista, para num instante reunir os bandidos, ajuntar os soldados, congregar os batalhões, convocar os mercadores, encher as casas e os mercados, e cobrir a terra e o mar com uma multidão inumerável de réprobos, que, embora divididos todos entre si, ou pelo afastamento dos lugares, ou pela diversidade dos gênios, ou por seus próprios interesses, se unem, entretanto, e se ligam até à morte, para fazer-vos guerra sob o estandarte e sob o comando do demônio. E nós, grande Deus?
Embora haja tanta glória e tanto lucro, tanta doçura e vantagem em servir-vos, quase ninguém tomará vosso partido? Quase nenhum soldado se alistará em vossas fileiras? Quase nenhum São Miguel clamará, no meio de seus irmãos, cheio de zelo para vossa glória: Quem como Deus?
Ah! Permiti que brade por toda parte:
Fogo! Fogo! Fogo!
Socorro! Socorro! Socorro!
Fogo na casa de Deus! Fogo nas almas! Fogo até no santuário! Socorro, que assassinam nosso irmão! Socorro, que degolam nossos filhos! Socorro, que apunhalam nosso bom Pai! Quem for do Senhor, junte-se a nós: venham todos os bons sacerdotes que estão espalhados pelo mundo cristão, os que estão atualmente na peleja, e os que se retiraram do combate para se embrenharem pelos desertos e ermos, venham todos esses bons sacerdotes e se unam a nós, para que formemos, sob o estandarte da Cruz, um exército em boa ordem de batalha e bem disciplinado, para de concerto atacar os inimigos de Deus que já tocaram a rebate:
Erguei-vos, Senhor: por que pareceis dormir?
Erguei-vos em todo o vosso poder, em toda a vossa misericórdia e justiça, para formar-vos uma companhia seleta de guardas que velem a vossa casa, defendam vossa glória e salvem tantas almas que custam todo o vosso sangue, para que só haja um aprisco e um pastor, e que todos vos rendam glória em vosso santo templo.