SANTO DO DIA
– 17 DE SETEMBRO – SANTA HILDEGARDA DE BINGEN
Abadessa beneditina (1098-1179)
Abadessa beneditina (1098-1179)
Hildegarda, descendente de nobre e riquíssima família alemã, nasceu no
castelo de Böckekheim, na bela região do rio Reno, em 1098. Como era o costume
na época, aos oito anos de idade foi entregue aos cuidados de religiosas, mais
especificamente da abadessa Jutta, do convento das monjas beneditinas. Lá,
recebeu os primeiros fundamentos dos ensinamentos de Cristo, aprendendo o
desapego que deveria ter com as coisas e vaidades mundanas.
Assim, depois de conhecer e conviver na comunidade religiosa, Hildegarda
pediu para ser aceita entre as beneditinas, ingressando como noviça sem
dificuldade alguma. Quando, em 1136, a superiora Jutta morreu, a direção do
mosteiro passou para as mãos de Hildegarda. Além desse convento sob seu
governo, ela fundou outros dois: em 1147, o de Bingen e, em 1165, o de
Eibingen, ambos na Alemanha.
Desde a infância, ela apresentava uma personalidade muito carismática e
um alto grau de elevação mística. Aos poucos, esses dons acabaram se
manifestando como visões, definidas por ela mesma como ‘lux vivens’, ou seja,
luz vivificante. Um dia, Hildegarda ouviu uma voz superior, que ela identificou
como do Espírito Santo, ordenando-lhe que escrevesse todas as revelações que
lhe eram feitas.
Apesar de não ser letrada, Hildegarda acabou por desenvolver uma grande
atividade literária. Por esses dons, acabou adquirindo muito conhecimento sobre
medicina e ciências naturais, transmitidos, depois, por livros precisos que
escreveu sobre essas matérias, reconhecidos cientificamente. Mas o seu talento
enciclopédico expressou-se, em particular, no canto e na música. Ela foi,
talvez, a primeira mulher musicista da história da Igreja Católica.
O final de sua vida foi muito sofrido e amargurado. Além de estar muito
doente, ainda foi vítima de injustiças e mentiras, devido ao seu rigor como
superiora séria e disciplinada. Aos 82 anos, no dia 17 de setembro de 1179,
Hildegarda morreu no seu Convento de Bingen. Pôde, finalmente, descansar ao
lado do Senhor.
Essa mulher extraordinária, mística beneditina, cientista, conselheira
de bispos e imperadores, seguiu influenciando a espiritualidade católica, mesmo
depois de sua morte, por meio de seus escritos, traduzidos em quase todas as
línguas do mundo, desde a Idade Média até os nossos dias. No século XX, em
1921, ainda a influência do seu carisma inspirou a criação uma nova
congregação, a das Irmãs de Santa Hildegarda.
Com a fama de sua santidade reconhecida ainda em vida, fez com que
vigorasse um culto expressivo e ininterrupto, mantido entre os fiéis do mundo
todo. O local de sua sepultura tornou-se um dos centros de peregrinação mais
visitado. Santa Hildegarda teve a sua veneração litúrgica autorizada pela
Igreja, para ser comemorada no dia de sua morte.
Texto: Paulinas Internet
Naqueles dias primevos da Criação, o Senhor manifestava generosamente a
sua onipotência e se comprazia em tirar do nada as incontáveis maravilhas que
compõem o Universo. Quando a luminosidade do sol já marcava o decurso do dia e
o colorido das plantas adornava a singeleza da terra, Ele exerceu sobre este
elemento seu poder criador e ordenou: “Façamos o homem à nossa imagem e
semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre
os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se
arrastem sobre a terra” (Gn 1, 26).
Assim, era na elevada condição de realeza que a obra-prima saída das
mãos de Deus despertava para o conhecimento das realidades exteriores. Cada um
dos seres vivos, e até mesmo os elementos, estavam a seu serviço, dispondo
instintivamente o requinte de suas qualidades ao beneplácito do homem racional.
Nisto estava a glória do Pai: em que, utilizando- se daquela multidão de
criaturas, Adão fosse feliz e restituísse ao seu Criador o bem, a verdade e a
beleza, reconhecendo-as como postas por Ele na admirável ordem do Universo.
O pecado rompe a harmonia
Mas… que triste estrago veio fazer o pecado original no estado de
perfeição do primitivo casal! Expulsos do Paraíso,
voltaram para a terra de onde foram tirados e tiveram de comer o pão com
o suor de seu rosto, perdendo aquele domínio absoluto sobre as criaturas do
qual gozavam no Éden. Contudo, em sua insondável misericórdia, Deus não
destituiu o gênero humano da supremacia e precedência que lhe havia conferido.
Quis que nele permanecesse a capacidade de utilizar-se de todos os seres e
descobrir as valiosas propriedades encerradas em cada um dos elementos a seu
serviço.
Até hoje, os filhos de Adão não esgotaram as possibilidades das
criaturas que o cercam, e quão longe estão de fazê-lo! Chegam-nos todos os dias
notícias surpreendentes acerca das descobertas feitas ao redor do mundo nas
quais, por vezes, de causas singelas tiram-se efeitos assombrosos. O lado
triste deste fato é que em nossa época o homem endureceu seu coração na busca
desenfreada da ciência, omitindo culposamente para si mesmo e para os demais
que, se algo há que possa estar na raiz dessas descobertas, são os dons do
próprio Deus.
Não é nesta perspectiva que a Igreja forma seus filhos, e nem assim
pensaram os santos. Quem se aproxima, por exemplo, da extraordinária figura que
foi Santa Hildegarda de Bingen, muito em breve dá graças ao Pai “porque
escondeu estas coisas aos sábios e prudentes, e as revelou aos
pequeninos” (Lc 10, 21).
Nasce uma menina predestinada
Num agradável dia do verão de 1098 nascia no castelo de Böckekheim, na
região do Reno, o décimo filho do casal Hildebert e Matilde de Bermersheim. Era
uma encantadora menina, batizada com o nome de Hildegarda. Apesar da frágil
saúde, dava ela – desde os primeiros anos de existência – mostras de aguda
inteligência e inclinação religiosa.
A Providência quis ainda muito cedo atrair para Si esta angélica
criança, que já aos três anos de idade era favorecida com luzes e revelações
celestes. Pensando que todos recebiam igual sorte de favores, comentava
entusiasmada a beleza do que via, causando estupor e maravilhamento nos que a
ouviam.
Certo dia, caminhando com sua aia pelas redondezas do castelo, exclamou
radiante: “Veja aquele bezerrinho, como é bonito! Todo branco, tem manchas
apenas na cabeça e nas patas. Ah! tem uma também no lombo!” A criada, olhando
para os lados e nada vendo, perguntou-lhe onde estava o bezerro. Sem
compreender como ela não via o animalzinho, a menina apontou uma grande vaca e
disse incisiva: “Está ali! Está ali!” Perplexa, a mulher pensou estar ouvindo
mais uma fantasia infantil e, em tom de gracejo, contou o sucedido à mãe de
Hildegarda. Entretanto, algum tempo depois nasceu um bezerro e ninguém mais
riu: possuía exatamente o aspecto predito pela menina!
No silêncio da clausura germina um grande futuro
Como Hildegarda dava sinais inequívocos de vocação contemplativa, e a
nobre condessa Jutta de Spanheim abandonara nessa mesma época suas glórias e
riquezas mundanas para tornar- se monja beneditina, os pais de Hildegarda não
hesitaram em confiar a formação da filha ao zelo dessa mulher virtuosa.
Foi assim que, aos oito anos de idade, ela ingressou na ermida de
Disibodemberg, onde “cresceu em graça e santidade” a exemplo do
Menino Deus. O silêncio da clausura, as sábias orientações que lhe eram dadas,
a participação nos atos litúrgicos e o carisma de São Bento foram modelando sua
alma segundo o mais puro ideal monástico: refletir em todos os aspectos da vida
as divinas perfeições de Jesus Cristo.
Havia, entretanto, um fator que a unia especialmente a Deus: as
comunicações sobrenaturais de que era objeto. Iniciadas as visões na primeira
infância e tendo continuidade ao longo de toda a sua vida, elas deram a Santa
Hildegarda um discernimento profundo da ação do bem e do mal, da graça e do
pecado, da realização da vontade de Deus a que o homem é chamado e a facilidade
que este tem em desprezar os desígnios divinos.
Essa riqueza de compreensão foi-lhe facultada visando o cumprimento de
sua missão junto aos grandes do mundo, aos pobres do povo e à posteridade ao
longo dos séculos. Com efeito, os ensinamentos de Santa Hildegarda possuem em
nossos dias uma atualidade igual ou maior do que quando ela viveu, há mais de
800 anos.
Uma admirável compreensão do Universo
Nos trinta anos em que Jutta conduziu o mosteiro, grandes foram os
progressos feitos por Santa Hildegarda na via espiritual. Com a morte dessa
abadessa, a comunidade não encontrou senão em sua discípula a sucessora ideal.
Muito a seu pesar, enfrentando admoestações interiores que lhe ditavam a
humildade, Santa Hildegarda dobrou-se ante o jugo da obediência e passou a
orientar aquelas almas eleitas. Com tanta perfeição exerceu esse encargo que
precisou fundar dois novos mosteiros – o de Rupertsberg em 1148 e o de Eibingen
em 1165 – para acolher as numerosas vocações que a ela acorriam.
Transcorria o quinto ano de seu abadessado quando a voz divina que a
acompanhava indicou-lhe uma ordem expressa: “Manifesta as maravilhas que
aprendes. Escreve e fala!” Assim originou-se a principal obra escrita de Santa
Hildegarda, “Liber Scivias”, o qual recebeu nada menos que o louvor de São
Bernardo de Claraval e a aprovação do Papa Eugênio III. Ambos reconheceram em
suas palavras e em sua vida a autenticidade das revelações.
Mas, afinal, qual é o teor de seus ensinamentos?
Numa linguagem isenta de qualquer pretensão literária e repleta do
colorido próprio à sua época, Santa Hildegarda fala a respeito da relação entre
Deus e os homens, da Criação e do Juízo Final, e insiste sobre o papel da
Igreja na história da salvação. Seu coração filial transborda em exaltações à
Santíssima Trindade, não exclui vigorosas denúncias aos erros morais da
humanidade e fala da importância dos sacramentos na santificação das almas.
Para ela, o Universo criado é um espelho admirável das realidades
espirituais e divinas: “Deus, que fez todas as coisas por um ato de sua
vontade e as criou para tornar conhecido e honrado o seu nome, não se contenta
em mostrar através do mundo apenas o que é visível e temporal, mas manifesta
nele aquelas realidades que são invisíveis e eternas. Isto é o que me foi
revelado”.
Uma alma cheia da ciência divina
Todavia, se Santa Hildegarda logrou surpreender os estudiosos ao longo
dos tempos, foi sobretudo por suas ousadas afirmações medicinais. Demonstrou
ela uma penetração abarcativa nas relações entre o homem e o mundo, sua
constituição espiritual e física, e as propriedades benéficas dos seres vivos.
São de sua autoria as duas únicas obras médicas compostas no Ocidente ao longo
do século XII, de que temos notícia.
Afirma ela que os desequilíbrios nervosos e espirituais se refletem de
modo inevitável na saúde corporal, originando os problemas de metabolismo que
conduzem à depressão. Em nenhum momento Santa Hildegarda deixa de considerar a
mútua influência que corpo e alma exercem entre si. Na sua opinião, a vida
religiosa deve buscar um sábio ponto de equilíbrio entre os dois fatores.
Defende ainda a tese de que a saúde se mantém essencialmente por um sadio
regime alimentar, e se detém em explicar com riqueza e profundidade as
características de centenas de plantas medicinais e nutritivas. Nem mesmo as
pedras escapam à sua análise, sendo vistas como excelentes elementos
canalizadores da energia humana.
E se ainda fosse pouco esse vasto conhecimento empregado generosamente
no cuidado da comunidade e de todos os necessitados que acorriam ao mosteiro,
Santa Hildegarda foi também uma notável musicista. Dotada de rara acuidade,
bela voz e originalidade, ela compôs em torno de setenta sinfonias segundo os
estilos de seu tempo. Eis o que ela afirma sobre a música:
“Lembremo-nos de que, com o pecado, Adão perdeu sua inocência e, em
conseqüência, perdeu também a voz que
antes possuía, semelhante à dos anjos do Céu. Tendo perdido essa
capacidade de louvar a Deus, os profetas, inspirados pelo Espírito Santo,
inventaram os salmos e os cânticos para incitar os homens a se voltarem para
esta doce recordação do louvor da qual gozava Adão no Paraíso. Também os
instrumentos musicais, pela emissão de múltiplos sons, podem instruir
espiritualmente os homens.”
Uma mulher prega nas catedrais
Na conjuntura da sociedade em que vivia a santa abadessa, a Igreja
passava por perigos que comprometiam a paz e a salvação das almas. O Papa
estava sendo perseguido pelo Imperador Frederico Barba-Roxa, o qual,
julgando-se possuidor de maior poder espiritual que o Sucessor de Pedro,
sentia-se no direito de destroná-lo e de colocar em seu lugar quem favorecesse
seus intentos ambiciosos. Há pouco eclodira a heresia dos cátaros, que tão
profundamente marcaria a época, num delírio de aversão à vida e ao verdadeiro
Deus. Por fim, reinava um visível relaxamento de costumes que gradualmente
conduzia os homens para o abismo da perdição.
Santa Hildegarda não restringe sua atuação ao âmbito do mosteiro; é
necessário fazer ressoar sua voz profética nas abóbadas das igrejas, apontar
com sua sabedoria os erros de um século surdo à voz de Deus; urge que uma alma
fervorosa faça trepidar a modorra da tibieza. Ela parte, já idosa, para pregar
– coisa impensável – nas grandes catedrais repletas pelo clero, nobreza e povo,
desejosos de ouvir suas justas admoestações.
Sucessivamente, as catedrais de Mainz, Bamberg, Tréveris, Colônia e
muitas outras são palco de seu apostolado. Os efeitos não se fazem esperar:
multiplicam-se as conversões e se espalha a fama de taumaturga da santa
abadessa a cujas palavras seguiam-se os prodígios. Além das pregações, ela
enviou muitas cartas a diversas personalidades, sempre exortando a uma maior
observância do Evangelho.
O prêmio do bom combate
Aos 81 anos, sem dobrar-se ante o peso das fadigas e dos sofrimentos,
aquela que nunca recusou socorro aos filhos de Deus entregou sua alma em meio à
grande paz e serenidade de seu mosteiro. Era o dia 17 de setembro de 1179. Em
pouco tempo, encheu-se de peregrinos o seu túmulo, multiplicaram- se os
milagres, cresceu o número de seus admiradores e devotos. Em nossos dias,
numerosos países contam com associações dedicadas a estudos de sua medicina
natural.
Neste conjunto brilhante formado pelas conquistas e feitos heróicos de
Santa Hildegarda, sobressai-se a prática de uma virtude preciosa: a humildade,
que caracteriza aqueles que são os verdadeiros depositários dos tesouros de
Deus. Sem jamais se vangloriar de suas prerrogativas ou utilizar em benefício
próprio os dons recebidos, ela pode ser definida com estas suas próprias
palavras: “Aqueles que, na elevação de sua alma, gozaram da sabedoria de
Deus e se portaram com humildade, converteram-se em colunas do
Céu”. (Revista Arautos do Evangelho, Set/2007. N. 69, p. 34 à 37)