A Bela Senhora é alta e toda de luz. Veste-se como as mulheres da região: vestido comprido, grande avental à cintura, lenço cruzado e amarrado atrás, touca de camponesa. Rosas coroam-lhe a cabeça, bordam-lhe o lenço e ornamentam-lhe o calçado. Na fronte a luz brilha como um diadema. Sobre os ombros carrega um pesado colar. Um colar mais leve prende sobre o peito um crucifixo resplandecente, com um martelo de um lado, e de outro, uma tenaz.

A bela senhora fala aos dois pastores.
” Ela chorou durante todo o tempo que nos falou”.
Juntos ou separadamente, as duas crianças repetem as mesmas palavras, com ligeiras variantes que não alteram o sentido. E isto, quaisquer que sejam os seus interlocutores: peregrinos ou simples curiosos, pessoas importantes ou da Igreja, investigadores ou jornalistas. Quer sejam favoráveis, sem rodeios ou malévolos, eis o que lhes é transmitido:
Vinde, meus filhos, não tenhais medo, aqui estou para vos contar uma grande novidade!
“Nós ouvíamo-la, não pensávamos em nada”.
Se o meu povo não quiser submeter-se, sou forçada a deixar que se abata o braço de meu Filho. É tão forte e tão pesado que não o posso mais SUSTER.
Há muito que sofro por vós!
Se quero que meu Filho não vos abandone, tenho de lhe pedir por vós constantemente, mas vós não fazeis caso. Bem podeis rezar, fazer o que quiserdes, jamais podereis recompensar os trabalhos que tenho tido convosco.
Dei-vos seis dias para trabalhar, reservei-me o sétimo, e não me querem conceder! É isso que torna tão pesado o braço de meu Filho
Se a colheita se estraga a culpa não é senão vossa. Bem vos fiz ver o ano passado com as batatas e vós não fizestes nenhum caso! Pelo contrário, quando encontráveis batatas estragadas, praguejáveis e com o nome do meu Filho pelo meio. Isso vai continuar e este ano, pelo Natal, não tereis nenhumas.
A palavra “batatas” (em francês: ‘pommes de terre’), deixa Mélanie intrigada.
No dialeto da região, diz-se “truffa”. E a palavra ‘pommes’ (maçãs) lembra-lhe apenas o fruto da macieira. Volta-se então para Maximino, para lhe pedir uma explicação. Mas a senhora adianta-se:
Não compreendeis, meus filhos? Vou dize-lo de outro modo.
Retomando, pois, as últimas frases no dialecto de Corps, língua falada correntemente por Maximino e Mélanie, a Bela Senhora prossegue:
Se tiverdes trigo, não deveis semeá-lo. Tudo o que semeardes será devorado pelos bichos, e o que produzir ficará em pó quando for malhado.
Virá uma grande fome. Antes que ela chegue, as crianças menores de sete anos serão acometidas de grande tremor e morrerão nas mãos das pessoas que as transportarem. Os outros farão penitência pela fome. As nozes ficarão vazias, as uvas apodrecerão.
De repente, a Bela Senhora continua a falar, mas somente Maximino a ouve; Mélanie vê que os lábios mexem, mas não ouve nada. Alguns instantes depois, Mélanie por sua vez, começa a ouvir, enquanto Maximino, que nada mais ouve, faz girar o chapéu na ponta do cajado ou, com a outra ponta do cajado, empurra as pedrinhas que estão diante dele.
“Mas nem sequer uma tocou nos pés da Bela Senhora!”, desculpar-se-ia alguns dias mais tarde.- “Ela disse-me qualquer coisa, ao mesmo tempo que dizia: Tu não dirás nem isto, nem aquilo”. Depois, não ouvi mais nada, e durante esse tempo, brincava”.
Assim, a Bela Senhora falou em segredo a Maximino e depois a Mélanie.
E novamente, os dois em conjunto, ouvem as seguintes palavras:
Se se converterem, as pedras e rochedos transformar-se-ão em montes de trigo, e as batatinhas serão semeadas nas terras.
Rezais como deve ser, meus filhos?
“Não muito, Senhora”, respondem as duas crianças.
Ah! Meus filhos, é preciso rezar bem, à noite e de manhã, dizendo ao menos um Pai Nosso e uma Ave Maria quando não puderdes rezar mais. Quando puderdes rezar mais, dizei mais.
Durante o verão, só algumas mulheres mais idosas vão à Missa. Os outros trabalham ao domingo, durante todo o verão. Durante o inverno, quanto não sabem o que fazer, não vão à Missa senão para troçar da religião. Durante a Quaresma vão ao matadouro como cães.
Nunca vistes trigo estragado, meus filhos?
“Não, minha Senhora” , responderam eles.
Então, dirigindo-se a Maximo:
Mas tu, meu filho, tu deves tê-lo visto uma vez, perto do Coin, com teu pai. O dono da campo disse a teu pai que fosse ver o trigo estragado. Ambos fostes até lá. Ele tomou duas ou três espigas nas mãos, esfregou-as e tudo caiu em pó. Ao voltardes, quando estáveis a meia hora de Corps, teu pai deu-te um pedaço de pão dizendo-te: “Toma, meu filho, come pão neste ano ainda, pois não sei quem dele comerá no ano próximo, se o trigo continuar assim.
Maximino responde:-
“É verdade, Senhora, agora lembro-me. Há pouco já não me lembrava mais”.
E a Bela Senhora conclui, não mais em dialeto, mas sim em francês:
Pois bem, meus filhos, transmitireis isso a todo o meu povo.
Reconhecimento pela Igreja
A 19 de setembro de 1851, D. Felisberto de Bruillard, Bispo de Grenoble, finalmente publica uma “circular doutrinal”.
Eis a passagem principal:
“Segundo o nosso julgamento, a aparição da Santíssima Virgem a dois pastores, a 19 de setembro de 1846, sobre uma montanha da cadeia dos Alpes, situada na Paróquia de La Salette, no arquidiocese de Corps, traz em si mesma todos as características da verdade, e os fiéis têm fundamento para acreditar nela como indubitável e certa.”
A repercussão desta circular é enorme. Numerosos Bispos determinam que seja lida nas paróquias das respectivas dioceses. A imprensa toma conta dela para o melhor e o pior. Traduzida em diferentes línguas, é publicada nomeadamente no Osservatore Romano de 4 de Junho de 1852. Cartas de felicitações afluem à Diocese de Grenoble.
A experiência e o sentido pastoral de D. Felisberto de Bruillard não pára por aqui.
A 1 de Maio de 1852 publica nova circular, anunciando a construção de um santuário na montanha de La Salette, e a criação de um corpo de missionários diocesanos a quem dá o nome de “Missionários de Nossa Senhora de La Salette”. Mas acrescenta: “A Santíssima Virgem apareceu em La Salette para o mundo inteiro, quem pode duvidar disso?”.
O futuro irá confirmar e ultrapassar estas expectativas. A passagem estava assegurada. Pode pois dizer-se que Maximino e Mélanie cumpriram a sua missão.
Em 19 de Setembro de 1855, D. Gonoulhiac, novo bispo de Grenoble, resumia desta forma a situação: “A missão dos pastores acabou, agora começa a da Igreja”. Hoje, numerosos são os homens e mulheres de todas as raças e de todos os países que encontraram na mensagem de La Salette o caminho da conversão, o aprofundamento da fé, o dinamismo para a vida quotidiana, as razões do compromisso com e em Cristo ao serviço dos homens.
As Primeiras testemunhas

Maximino Giraud nasceu em Corps, em 26 de agosto de 1835. Sua mãe, Ana Maria Templier, é originária da região. Seu pai, Germano Giraud, é proveniente de uma região próxima. Maximino tinha dezessete meses quando a mãe morreu, deixando também uma menina de oito anos, Angélica. Pouco depois, o Sr. Giraud casa novamente. Maximino foi crescendo sem rumo. O pai, fabricante de carroças, vive na oficina ou na taberna. A esposa não tem atração nenhuma pelo garoto, vivo, descuidado, que não consegue ficar em casa, mas deambula pelas ruas de Corps, atrás de diligências e carroças, ou vagueando pelas estradas com uma cabra e um cão. O garoto é facilmente matreiro, com um olhar vivo sob uma negra cabeleira desgrenhada, e uma língua solta… Durante a Aparição, enquanto a Bela Senhora se dirige a Mélanie, faz girar o chapéu no alto do cajado, ou com outra ponta, brinca com as pedrinhas em torno dos pés da Bela Senhora. – “Nenhuma a tocou!”, responderá ele, espontaneamente, a seus inquiridores. Cordial, desde que se sinta amado. Malicioso quando querem ter mão nele.
A sua adolescência foi difícil. Nos três anos seguintes à Aparição, perde o seu meio-irmão João Francisco, a madrasta Maria Court, e o pai, o carpinteiro Giraud. É posto sob a tutela do irmão de sua mãe, o tio Templier, homem rude e interesseiro.
Na escola, a sua evolução nos estudos é modesta. A Irmã Santa Tecla que o acompanha de perto, chama-lhe “o eterno movimento”. Acrescentem-se a isto, as pressões exercidas pelos peregrinos e curiosos.
Nessas circunstâncias, alguns iluminados legitimistas, partidários de um pretenso filho de Luís XVI, querem manipulá-lo para fins políticos. Maximino mistifica-os com historietas. Contra os conselhos do Pároco de Corps e desrespeitando a interdição do Bispo de Grenoble, conduzem o adolescente a Ars.
Maximino não gosta da companhia deles, mas aproveita a ocasião para conhecer este local. São recebidos pelo imprevisível Pe. Raimundo que, logo de início, trata o fato de La Salette como aldrabice, e os videntes como mentirosos.
Durante a manhã de 25 de setembro de 1850, o Cura d’Ars encontra-se por duas vezes com Maximino, uma na sacristia, e outra no confessionário, mas sem confissão. Que lhe poderá ter contado aquele adolescente exasperado? O resultado é que, durante anos, o santo Cura d’Ars não parará de duvidar e de sofrer. Depois da circular de 1851 remeterá os seus interlocutores para o julgamento emitido pelo Bispo responsável. Ele próprio demorou vários anos a aceitar o faco e a reencontrar a paz.
Quanto a Maximino, mesmo afirmando que jamais se desmentiu, terá muitas dificuldades em justificar o seu comportamento. Basta enumerar os locais por onde passou para se avaliar a que ponto o jovem Maximino andou daqui para ali: do seminário menor de Grenoble (Le Rondeau) à Grande Chartreuse, do presbitério de Seyssin a Roma, de Dax a Aire-sur-Adour a Vésinet, depois, do colégio de Tonnerre a Petit Jouy em Josas, perto de Versailles, e a Paris.
Seminarista, empregado num asilo, estudante de medicina falhando o bacharelato, trabalha numa farmácia, trabalha como guarda pontifício, rescindindo o contrato após seis meses e voltando a Paris.
O jornal “La Vie Parisienne” atacou La Salette e os dois videntes. Maximino apresenta queixa e obteve uma rectificação. Em 1866 publica um opúsculo: -”A minha profissão de fé a respeito da Aparição de Nossa Senhora de La Salette”. Nesse período, o Sr. e a Sra. Jourdain, um casal devotado ao serviço de Maximino, assegura-lhe certa estabilidade e paga as suas dívidas a ponto de se arruinar.
Maximino aceita então associar-se a um comerciante de licores que faz uso de sua notoriedade para aumentar as vendas.
O imprevisível Maximino não acha que é demais. Em 1870 foi mobilizado para o Forte Barrau, em Grenoble. Por fim, volta a Corps onde o casal Jourdain vem ao seu encontro. Os três vivem pobremente, ajudados pelos padres do Santuário, com a aprovação da Diocese.
Em novembro de 1874, Maximino sobe ao local de peregrinação de La Salette. Diante de um auditório particularmente atento e comovido, apresenta a narrativa da Aparição como o fizera desde o primeiro dia. Será a última vez. A 2 de fevereiro de 1875, vai igualmente pela última vez, à igreja Paroquial.
Na tarde de 1 de Março, Maximino confessa-se, recebe a Eucaristia bebendo um pouco de água de La Salette para engolir a hóstia. Cinco minutos mais tarde, entrega sua alma a Deus. Ainda não completara quarenta anos.
Os seus restos mortais repousam no cemitério de Corps, mas o seu coração encontra-se na Basílica de La Salette, perto do teclado do órgão.
Era a sua última vontade, para assim marcar seu apego à Aparição:
“Creio firmemente, mesmo ao preço do meu sangue, na célebre aparição da Santíssima Virgem na Montanha de La Salette, a 19 de setembro de 1846. Aparição que defendi por palavras, por escritos e por sofrimentos… Com este sentimento dou o meu coração a Nossa Senhora de La Salette”.
No mesmo testamento, este pobre nada mais tinha a legar que a sua fidelidade à fé da Igreja. O garoto atraente e instável que sempre foi, encontrou finalmente, junto da Bela Senhora, a afeição e a paz de Deus.
Mélanie Calvat
Mélanie Calvat nasceu em Corpo (Isère), em 7 de Novembro de 1831.
Seu pai, Pedro Calvat, homem honesto e respeitado pelas pessoas da terra, inculcou no coração da menina os germes duma grande compaixão por Jesus crucificado mas, havendo falta de trabalho na sua aldeia, tinha de se ausentar muitas vezes para encontrar noutro lugar com que sustentar a família.
A mãe, Júlia Bernaud, frívola e negligente nos seus deveres de família, teria querido levar a filha, ainda bebê, para as danças e divertimentos da aldeia. Mas Deus tinha predisposta esta criança para uma aversão inata por todas as vaidades mundanas; os gritos e as lágrimas de Mélanie, forçavam a mãe a traze-la para casa.
Este fato desencadeou uma malevolência inconcebível da parte da mãe.
Como explicar os maus tratos cruéis que se seguiram, senão por um desígnio impenetrável de Deus, querendo desligara a sua pequena criatura predestinada, dos afetos mais legítimos para poder cumulá-la com uma superabundância de Graças e de favores celestes excepcionais.
Expulsa de casa por várias vezes pela mãe, a pobre errante encontrou consolo em Jesus, escondido sobre a figura de uma amável criança que se dizia seu irmão. Este fez-se seu companheiro na solidão dos campos e das florestas, dirigindo-a até ao cimo da vida mística.
Desde que teve idade, a mãe mandou-a servir como pastora em diversos patrões das regiões vizinhas.
Foi assim que se estava na montanha de La Salette, na companhia de Maximino Giraud, onde a Rainha do Céu lhes apareceu em lágrimas, no dia 19 de Setembro de 1864.
Deus aos dois jovens pastores uma mensagem pública; depois, só a Maximino, um segredo; finalmente, a Mélanie uma mensagem que poderia tornar pública em 1858, bem como a Regra que deveria ser praticada pelos futuros filhos e filhas da Ordem da Mãe de Deus. Ao mesmo tempo, contemplava numa visão profética a vida e as obras desses novos Apóstolos.
A Aparição veio perturbar o modo de vida daquela que tinha passado os seus primeiros catorze anos retirada, longe do mundo.
A missão de Mélanie foi das mais dolorosas.
Ao transmitir as reprimendas e as vontades do Céus, a heróica mensageira condenou-se para o resto da vida às constantes e vingativas perseguições dum certo clero, demasiado imbuído de si mesmo para receber, por intermédio deste humilde instrumento, as descomposturas da Virgem e responder aos seus desejos.
Caluniada, desprezada, Mélanie, sem vergar, trabalhou não obstante até ao fim da vida, na formação da Ordem dos Apóstolos.
Várias tentativas de fundação, rapidamente reduzidas a nada por um Episcopado hostil, obtiveram-nos no entanto uma correspondência preciosa na qual a Pastora expõe, com uma sublime simplicidade, o espírito que a Virgem Maria quer ver reinar nos novos Apóstolos.
As perseguições condenaram Mélanie a uma vida errante por causa da qual foi classificada, além do mais, de inconstante.
Por toda a parte em que passava, deixava o perfume sublime de todas as virtudes, distinguindo-se sobretudo na prática da humildade e do amor à cruz.
Para preparar a vinda dos Apóstolos dos Últimos Tempos, Deus não podia suscitar alma mais crucificada, mais esquecida de si mesma.
A Serva de Deus escreve: “É na escola do Calvário que se aprende a rara ciência do amor dos sofrimentos e do verdadeiro esquecimento de nós.”
Os últimos meses da sua vida, Mélanie viveu em Altamura, Itália, sob a protecção de D. Cecchini. Foi aí que morreu em odor de santidade na noite de 14 para 15 de Dezembro de 1904.Grégoire XVII proclamou Bem-aventurada Mélanie Calvat em 7 octobre 1984.