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Title: BANQUETE SACRIFICIAL E MEMORIAL DA MORTE DO SENHOR
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Redescobrir esta dimensão essencial do Sacramento da Eucaristia Por PADRE PEDRO BOLÉO TOMÉ Uma das consequências de se ter esv...

Redescobrir esta dimensão essencial do Sacramento da Eucaristia




Por PADRE PEDRO BOLÉO TOMÉ


Uma das consequências de se ter esvaziado da consciência dos fiéis a dimensão sacrificial do Sacramento da Eucaristia é a sua auto-exclusão. Auto-excluem-se da Eucaristia e, por consequência, auto-excluem-se da própria vida da Igreja. Não sabendo que participam no Sacrifício de Cristo na Cruz não entendem o sentido de participar num banquete no qual não podem tomar o alimento oferecido.

Um dos momentos emblemáticos do pontificado do Bem-aventurado Paulo VI foi, sem dúvida, a proclamação do «Credo do Povo de Deus». Nesse acto solene o Santo Padre dizia «cumprir o mandato, conferido por Cristo a Pedro (…) de confirmar na fé os irmãos».[1] E fazia-o movido pela preocupação. A Igreja encontrava-se agitada por fortes ventos e muitas verdades de fé eram «postas em discussão ou totalmente negadas.»[2] Reconhecia a necessidade e até a obrigação da Igreja penetrar sempre mais nos insondáveis mistérios de Deus e de os apresentar de modo cada vez mais apto às novas gerações. No entanto, alertava para o cuidado que é necessário ter para que, «ao cumprir o necessário dever da investigação, não se destruam verdades da doutrina cristã». Terminava o número quatro dessa proclamação de fé com uma exclamação sofrida em jeito de profecia: «Se isto acontecesse - e vemos dolorosamente como hoje de facto acontece - iria causar perturbação e dúvida no espírito de muitos fiéis».

Estamos a viver um ano de maturação e de oração sobre os desafios e os problemas que afectam a família, agradecendo os dons do recente Sínodo Extraordinário dos Bispos e preparando o Sínodo Ordinário que se realizará em Outubro próximo.[3] Ora, dentro da reflexão e embora não seja um dos temas centrais,[4] encontra-se um problema muito enfatizado pela comunicação social. Trata-se da comunhão dos fiéis divorciados que se casaram civilmente. O próprio Papa Francisco, embora frise não se tratar de um tema primordial, diz ser algo que o preocupa e lhe causa dor, como aliás acontecia a Bento XVI e aos anteriores pontífices. Trata-se de deixar claro que os divorciados não são excomungados, e todavia constata que muitas vezes são tratados como excomungados[5]. E é neste sentido que se insere esta reflexão. Penso que a própria visão que os fiéis possuem actualmente do sacramento da Eucaristia agrava o problema e os leva a auto-excluírem-se, a sentirem-se como excomungados pelo facto de não poderem aceder à comunhão. Parece óbvio de que este problema não poderá ser enfocado apenas por este prisma, porém, cremos que alguma reflexão teológica referente à própria celebração Eucarística e à sua essência pode aportar alguma luz. Somos conscientes de que não é a solução do problema mas sim um passo para o colocar numa dimensão mais equilibrada.

Voltemos ao citado «Credo do povo de Deus». No número 24 afirma-se:
«Cremos que a Missa, celebrada pelo sacerdote, que representa a pessoa de Cristo, em virtude do poder recebido no sacramento da Ordem, e oferecida por ele em nome de Cristo e dos membros do seu Corpo Místico, é realmente o Sacrifício do Calvário, que se torna sacramentalmente presente em nossos altares (…)».

Em todas as reflexões que li ou escutei sobre o problema pastoral referido anteriormente nunca esteve presente esta dimensão essencial do Sacramento da Eucaristia. Por outro lado, sempre que troquei impressões com algum fiel sobre a Santa Missa, do que é esse sacramento para a sua pessoa, como o entende, nunca escutei uma referência ao Sacrifício da Cruz, pese a todos os anos de catequese e de prática dominical que alguns apresentavam. Inclusive, nalgumas conversas com sacerdotes notei uma espécie de deslumbre perante algo conhecido, reconhecido sem dúvida, mas pouco presente nas suas reflexões ou propostas. Pois bem, se prescindo deste elemento tão essencial, como vou viver a Eucaristia? Como a posso enquadrar e compreender?
Este facto contrasta com aquele episódio passado na China que escutei há anos, quando um ocidental introduziu às escondidas traduções chinesas de uma Via-Sacra escrita por S. Josemaria. Certo dia em que deixou mais livros numa Igreja foi seguido e alcançado. Com surpresa viu que lhe beijavam as mãos. Quis saber porquê.
- Sempre que não podemos celebrar a Eucaristia reunimo-nos para rezar a Via-Sacra. É o que mais nos recorda a Santa Missa!
Saberiam os nossos fiéis elaborar uma tal relação? E, no entanto, o Catecismo da Igreja Católica começa a falar sobre este Sacramento citando a SC 47:
«O nosso Salvador instituiu na última Ceia, na noite em que foi entregue, o Sacrifício eucarístico do seu Corpo e do seu Sangue para perpetuar pelo decorrer dos séculos, até Ele voltar, o Sacrifício da cruz, confiando à Igreja, sua esposa amada, o memorial da sua morte e ressurreição: sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal em que se recebe Cristo, a alma se enche de graça e nos é concedido o penhor da glória futura.»

Foi com alegria que, graças à reforma litúrgica, vimos os fiéis abrirem-se a uma participação mais activa e frutuosa, sentindo uma maior proximidade com o Senhor, graças à noção de banquete tão evidenciada na nova forma de celebrar. Nas conversas com os fiéis sobre a Eucaristia é frequente que se fale deste Sacramento como uma festa, uma refeição sagrada. Os fiéis piedosos e instruídos na fé identificam o Sacramento da Eucaristia como algo festivo, íntimo e sagrado: o banquete do Senhor[6]. E é com alegria que o constatamos. Porque é verdade, é belo, no entanto, não é tudo. Mais, tem consequências negativas para os próprios se se reduz a Eucaristia a um banquete e se se limita a Eucaristia a essa dimensão. É que ao fazê-lo auto-excluem-se quando não se sentem em condições de comungar. Na verdade, qual o sentido de participar num banquete quando se está indisposto e não se pode comer?

Antigamente, verificava-se com tristeza que os fiéis comungavam com pouca frequência. Por vezes, apenas uma ou duas vezes por ano. No entanto, ninguém se sentia excluído da Missa. Continuavam a ir, embora não comungassem. Hoje em dia, avançou-se muito na proximidade com a comunhão. Há uma verdadeira sede de comungar. Ao ponto de parecer inútil e sem-sentido uma Eucaristia sem comunhão.

Este sem-sentido contrasta por exemplo com a experiência de Joseph Fadelle, um best-seller recente sobre a conversão de um árabe iraquiano.[7] O grande motor para a sua conversão que o levou a não pensar no «preço a pagar» por se tornar cristão foi precisamente poder comer o Pão da vida. Terá de esperar treze anos de sofrimentos para o poder tomar. No entanto, nunca se priva do Sacrifício Eucarístico. Mais, é para ele factor de grande consolação e esperança. Chamou-me a atenção de que este homem, instruído apenas por um pobre camponês, se referisse à primeira Eucaristia do seguinte modo:
«… sinto que se apodera de mim uma grande excitação, quando penso que, pela primeira vez, vou assistir, durante a Missa, ao verdadeiro sacrifício de Jesus, imolado por amor dos homens. No meu espírito sobre-excitado, que neste momento trabalha a toda a velocidade, já passei à etapa seguinte da minha caminhada, isto é, conseguir que Michael me permita acompanhá-lo todos os domingos à igreja!».

Sabe que não poderá comungar, no entanto, o seu desejo é participar daquele banquete. E não uma vez, todos os domingos. Sempre! Sem dúvida que a sua grande esperança é a de poder vir a comungar o Pão da Vida. No entanto, parece-lhe claro que o caminho passa pela assistência à Eucaristia.

Lembro a este propósito o famoso hino eucarístico Adoro te devote, atribuído a S. Tomás. Trata-se de um cântico de louvor à Eucaristia, pensado para o culto fora da Missa. E nele referimo-nos à Hóstia Santa que adoramos como «Memorial da Morte do Senhor». Parece que o seu autor nos deseja colocar junto do Calvário para viver esses momentos:

Na Cruz estava oculta a divindade
Aqui também o está a humanidade
E, contudo, eu creio e confesso,
Que ambas aqui estão na realidade,
E o que pedia o bom ladrão, eu peço.

Não é esta uma bela forma de participar na Eucaristia? Como o bom ladrão, como o centurião consciente da sua condição de pecador, Senhor não sou digno, participamos num banquete sacrificial. Não num banquete qualquer. Trata-se de um sacrifício em que todos, em consciência, são convidados a tomar parte e a alimentarem-se da carne sacrificada. No entanto, nem sempre será conveniente aproximar-se.[8] Dependerá do estado da alma de cada um. Examine-se, pois, cada um a si mesmo e, assim, coma desse pão e beba desse cálice, diz S. Paulo. No seu estilo pastoral o Papa Francisco refere-se muitas vezes a essa impossibilidade a propósito de faltas contra a caridade ou a justiça. No entanto, tal como o reconhecimento do seu pecado não excluiu o bom ladrão de se unir a Cristo e ao seu sacrifício[9], também o reconhecimento de que «hoje não posso comungar» não me deve excluir do sacrifício eucarístico. Efectivamente, é surpreendente a resposta de Jesus a este pecador que reconhecia que merecia o castigo da cruz pelos seus pecados. «Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso».[10] Não nos enche de esperança que a participação neste banquete sacrificial me dê a força, a graça e o amor a Deus para voltar para a casa do Pai por mais afastado que me encontre? Não me ajuda saber que estou a participar do sacrifício oferecido ao Pai para minha libertação? Não me sinto acolhido pelo olhar misericordioso e amoroso de Nosso Senhor Jesus Cristo que me olha do cimo da Cruz? Não vejo como a Igreja me acolhe incluindo-me na oblação que oferece por Cristo ao Pai?
Na antiga Lei havia diversas classes de sacrifício. A Bíblia refere-se de forma particular ao holocausto, em que a vítima, depois de derramado o sangue sobre o altar, era totalmente consumida em oferta a Deus. Havia também sacrifícios expiatórios, oferecidos pelos pecados dos oferentes e sacrifícios de comunhão, ou refeições sagradas. Havia sacrifícios cruentos e incruentos.[11] Na Nova Lei todos estes sacrifícios se unem num só. Estes sacrifícios eram figura do único sacrifício: o de Cristo Jesus no Calvário, que se torna presente na celebração eucarística. Não será legítimo que, tal como no caso do holocausto ou do sacrifício expiatório, em que os participantes não tomavam da carne do sacrifício que seja bom, legítimo e frutífero. Porque razão não exclui S. Paulo os primeiros cristãos da celebração eucarística, mas pede que examinem a sua consciência sobre a possibilidade de receberem a comunhão?[12]

Na Eucaristia estamos perante o sacrifício de Cristo que é também o sacrifício da Igreja. [13] Nele a Igreja oferece-se a si mesma e, com ela, cada um de nós também, com os seus pecados e infidelidades. Ninguém é privado, ninguém é excluído. Todos estão presentes nas suas preces. A Igreja, como Mãe, reza por cada um, aceita-o como é, nas circunstâncias actuais em que se encontra, e pede que, como seu filho, chegue um dia a participar do banquete celestial.

Que belas são as palavras de Santo Agostinho com que o Catecismo termina este apartado sobre «O memorial do sacrifício de Cristo e do seu Corpo, a Igreja». Apresenta-as como um resumo de tudo o que foi dito:
«Toda esta cidade resgatada, ou seja, a assembleia e sociedade dos santos, é oferecida a Deus como um sacrifício universal pelo Sumo-Sacerdote que, sob a forma de servo, foi ao ponto de Se oferecer por nós na sua paixão, para fazer de nós corpo duma tal Cabeça [...] Tal é o sacrifício dos cristãos: "Nós que somos muitos, formamos em Cristo um só corpo" (Rm 12, 5). E este sacrifício, a Igreja não cessa de o renovar no sacramento do altar bem conhecido dos fiéis, em que lhe é mostrado que ela própria é oferecida naquilo que oferece (Civ. Dei 10, 6)»[14]


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[1] Credo do Povo de Deus, nº 4
[2] Ibid.
[3] DISCURSO DO PAPA FRANCISCO NO ENCERRAMENTO DA III ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS Aula do Sínodo, Sábado, 18 de Outubro de 2014.
[4] «O Sínodo será sobre a família, sobre o problema da família, sobre as riquezas da família, sobre a situação actual da família. A exposição preliminar feita pelo Cardeal Kasper tinha cinco capítulos: quatro sobre a família, as coisas belas da família, o fundamento teológico, algumas problemáticas familiares; e o quinto capítulo, o problema pastoral das separações, das nulidades matrimoniais, os divorciados... Neste problema, insere-se o da comunhão. E eu não gostei do que tantas pessoas – mesmo de Igreja, padres - disseram: «Ah, o Sínodo para dar a comunhão aos divorciados», e fixaram-se precisamente ali, naquele ponto. Senti aquilo como se tudo se reduzisse a uma casuística. E não, a realidade é muito mais ampla. Hoje – todos o sabemos – a família está em crise: uma crise mundial. Os jovens não se querem casar: ou não casam ou convivem. O matrimónio está em crise e, de igual modo, a família» (Entrevista colectiva do Santo Padre durante o voo de regresso da Terra Santa, 26 de maio de 2014)
[5] «Há uma coisa que o Papa Bento XVI disse três vezes – uma vez, no Vale d’Aosta, outra em Milão e a terceira no Consistório, o último Consistório público que ele fez para a criação dos Cardeais – sobre os divorciados e que a mim me ajuda muito: estudar os procedimentos de nulidade matrimonial; estudar a fé com que uma pessoa vai para o matrimónio e deixar claro que os divorciados não são excomungados, e muitas vezes são tratados como excomungados. E esta é uma coisa séria» (Ibid.).
[6] CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 1329. Ceia do Senhor, porque se trata da ceia que o Senhor comeu com os discípulos na véspera da sua paixão e da antecipação do banquete nupcial do Cordeiro na Jerusalém celeste.
Fracção do Pão, porque este rito, próprio da refeição dos judeus, foi utilizado por Jesus quando abençoava e distribuía o pão como chefe de família , sobretudo aquando da última ceia. É por este gesto que os discípulos O reconhecerão depois da sua ressurreição e é com esta expressão que os primeiros cristãos designarão as suas assembleias eucarísticas. Querem com isso significar que todos os que comem do único pão partido, Cristo, entram em comunhão com Ele e formam um só corpo n'Ele.
Assembleia eucarística («sýnaxis»), porque a Eucaristia é celebrada em assembleia de fiéis, expressão visível da Igreja.
[7] JOSEPH FADELLE, O preço a pagar por me tornar cristão, Paulinas, 2011.
[8] 1 Cor 11, 27-29
[9] Lc 23, 40-41
[10] Lc 23, 43
[11] Cfr. SARAIVA MARTINS, Eucaristia, Colecção de Estudos Teológicos, 2005, p. 190.
[12] 1 Cor 11, 27-29
[13] Cfr. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 1368.
[14] CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 1371.





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