MARCELINO CHAMPAGNAT (1789-1840)
Presbítero da Sociedade de Maria
Fundador do Instituto dos Pequenos Irmãos de Maria
Irmãos Maristas das Escolas
Marcelino Champagnat
Em 6 de junho comemoramos o dia de São Marcelino Champagnat, fundador do Instituto dos Irmãos Maristas. Champagnat encantou-se por Deus e compartilhou sua fé e carisma com entusiasmo, a favor das crianças e jovens. São Marcelino Champagnat nasceu em Marlhes (França), em 1789.
Marcelino Champagnat fundou o Instituto Marista, inicialmente denominado Instituto dos Irmãozinhos de Maria, em 1817, na França. Foi um homem humilde, mas com grandes sonhos e visão de futuro. Dedicou-se à vida religiosa e, com fé em Maria, a Boa Mãe. Construiu uma obra educativa dedicada à educação evangelizadora de crianças, adolescentes e jovens, especialmente aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social.
Champagnat foi canonizado em 1999 pelo Papa João Paulo II, que o reconheceu como santo da Igreja. Hoje, após 200 anos de história, os Maristas de Champagnat (Irmãos, Leigos, Leigas e Colaboradores) ainda dão continuidade à sua obra de educação evangelizadora e cuidam da sustentabilidade da Missão em mais de 80 países.
“TUDO A JESUS POR MARIA, TUDO A MARIA PARA JESUS” — MARCELINO CHAMPAGNA
São Marcelino Champagnat
Marcelino Champagnat, padre marista francês, é o fundador do Instituto dos Irmãos Maristas das Escolas ou Irmãozinhos de Maria. O encanto que sua pessoa produz não nasce de uma primeira impressão, mas de uma presença continuada e singela. Como Maria de Nazaré, age com discrição. Sua riqueza interior é profunda e são contagiosos seu dinamismo pessoal, sua alegria, sua espiritualidade mariana e sua confiança em Deus. As crianças e os jovens são seus amigos e lhe manifestam um carinho especial. Os irmãos, que tanto os ama, são os herdeiros de seu espírito. Seu itinerário de fé o conduz até as primícias do amor, pois é nisto que consiste a santidade.
As raízes de uma história
Rosey é uma aldeia do município de Marlhes, França. Lugar de
montanha, muito atraente, mas de restritas condições de desenvolvimento
humano e com poucas condições para a cultura e o relacionamento; a
vida é rude. O calendário marca o ano da Revolução Francesa: 1789. No
dia 20 de maio, Maria Teresa Chirat, casada com João Batista
Champagnat, dá à luz a seu nono filho. No dia seguinte, 5ª feira da
Ascensão, o bebê é levado à pia batismal e passa a chamar-se Marcelino
José Bento. Vislumbra-se a aurora de uma nova época. O Antigo Regime
desfaz-se em pedaços. João Batista, o pai do menino, homem aberto,
acolhedor, compreensivo e com espírito de iniciativa, toma o pulso da
história participando em primeira fila. Possui elevado nível de
instrução para seu tempo. Sua letra é impecável, sua facilidade de
falar em público, assim como sua capacidade de direção, são provas de
suas qualidades. Exerce diversas funções e cargos como juiz de paz e
obtém o primeiro lugar na votação para delegado. Dedica-se com esmero em
suas atuações públicas. Mesmo servindo os ideais revolucionários, nos
quadros dos jacobinos, partido de extrema esquerda, dá prioridade às
realidades concretas de seu povo, salvaguardando os interesses de seus
habitantes.
Enquanto se sucedem estas ocorrências políticas,
Marcelino convive estreitamente com sua mãe que se dedica ao comércio
de telas e encaixes, tendo que completar seus ganhos com a agricultura e
os trabalhos do moinho. Maria Teresa é, na vida de seu esposo, um
instrumento de moderação e equilíbrio. Seu temperamento e sobretudo a
energia e a clarividência em relação à economia familiar e à educação
dos filhos, facilitam-lhe a tarefa: educa com esmero seus filhos,
acentuando os valores da piedade, do trato social e do espírito sóbrio.
Sua tia, Luísa Champagnat, é religiosa de S. José, expulsa do convento
pela Revolução. A influência que deixa no jovem através de orações,
lições e bons exemplos é tão profunda que, com certa freqüência,
Marcelino a relembra com agrado e gratidão. Com a idade de seis anos,
um dia, pergunta-lhe: "Tia, que é a revolução? É uma pessoa ou um
animal?" Em seu ambiente é quase impossível subtrair-se ao palpitar da
História.
A educação de Marcelino é realizada no cruzamento das
novas idéias, trazidas por seu pai, e a espiritualidade profunda e
tradicional, transmitida por sua mãe e sua tia. No seio da família, os
problemas do mundo são vividos em toda a sua agudeza, recebendo uma
solução moderada, porém positiva e sempre favorável às pessoas mais que
às ideologias. Respira o sentido da fraternidade vivendo lado a lado
com suas irmãs e irmãos.
Uma ferida luminosa
Deus
se serve amiúde das páginas obscuras de nossa história e das feridas que
a vida produz em nós para fazer surgir uma fonte de luz. Marcelino
vive uma situação escolar muito deficiente. Duas experiências negativas
lhe produzem um forte impacto.
Sua tia ensina-lhe os rudimentos
da leitura com resultados decepcionantes. Seus pais decidem enviá-lo ao
professor em Marlhes, Bartolomeu Moine. No primeiro dia em que vai à
escola, por ser excessivamente tímido, o professor o chama para perto
de si com o fim de fazê-lo ler. Enquanto está indo, outro aluno se
antecipa e lhe toma o lugar. O professor aplica sonora bofetada no
intruso e manda-o para o fundo da sala. Este ato de brutalidade produz
um trauma ao recém chegado, aumentando-lhe o medo. Revolta-se
interiormente: " não voltarei à aula de um professor assim; ao
maltratar sem razão este menino, mostra-me o que está me esperando; por
qualquer coisa poderá tratar-me assim; não quero, por isso, receber
dele aula e menos ainda castigos". Apesar da insistência da família,
não volta à escola. O primeiro dia de aula é também o último.
Depois deste fracasso escolar, aprende a vida na escola de seu pai.
Acompanha-o em qualquer lugar que vá e realiza todos os trabalhos
necessários para a manutenção de uma granja. Entrega-se com entusiasmo a
todas estas ocupações, movido por seu temperamento dinâmico, seu amor
ao trabalho manual, seu espírito de iniciativa, seu sentido prático e
sua força física. Marcelino possui, além disso, um bom caráter. As
mães, que dão mais valor à sabedoria do que à cultura, o propõem como
modelo para seus filhos. Ao mesmo tempo, cresce em piedade e em virtude
na escola de sua mãe e de sua tia, recebendo, aos onze anos, a
primeira comunhão e o sacramento da confirmação.
Outro fato que
ocorreu numa sessão de catequese o impressiona profundamente. Um
sacerdote, cansado das traquinagens de um rapaz, repreende-o e dá-lhe um
apelido. O rapaz não pára e seus colegas usam o apelido para
ridicularizá-lo. Na saída, continuam. Seu agastamento estimula a
agressividade de seus colegas. O rapaz, em conseqüência, torna-se
arredio e fechado em si mesmo. Anos mais tarde, Marcelino dirá: "Ai
tendes o fracasso da educação: um menino condenado, por seu caráter mal
formado, a converter-se em suplício para sua família e vizinhança. E
tudo isto por causa de uma atitude de impaciência que poderia ter sido
evitada facilmente".
A fundação do Instituto dos Irmãos Maristas
será sua resposta de fé às carências e à situação escolar da França que
adquire caracteres dramáticos. No ano de 1792 são suprimidas todas as
congregações religiosas. A instrução pública é nula. A juventude tem
diante de seus passos o caminho da ignorância e do desacerto. Poucos
anos depois o século XIX abrirá suas portas. Será o século da escola
para a qual Marcelino contribuirá de maneira notável.
Sua vocação: "vencerei já que Deus o quer"
A falta de sacerdotes é evidente. Urge fomentar vocações e fundar
seminários. Um sacerdote quer recrutar alunos para o seminário. O
pároco o encaminha à família Champagnat. João Batista não pode conter
seu espanto ao saber do motivo da visita: "Nenhum de meus filhos jamais
manifestou o desejo de ir ao seminário". Ao contrário de seus irmãos
que recusam o convite, Marcelino fica em dúvida. O sacerdote, com um
pouco mais de conversa, fica encantado com a singeleza, modéstia e
caráter franco e aberto de Marcelino: "Filho, tens que estudar e ser
sacerdote. Deus o quer". Marcelino então decide ir ao seminário. Sua
opção jamais será revogada.
Sua vida toma outro rumo. Seus
projetos, vinculados ao comércio e aos negócios, vão por águas abaixo. A
determinação de ir ao seminário exige outros requisitos: aprender
Latim, além de ler e escrever em Francês. Sua língua materna e habitual
é uma variante do ocitano: o franco-provençal. Seus pais, antevendo as
dificuldades, tentam dissuadi-lo. Tudo inútil. Sua determinação está
clara: será sacerdote.
João Batista, seu pai, morre
repentinamente. Marcelino tem 15 anos. Volta aos estudos. Recuperar,
nesta idade, o tempo perdido torna-se uma empresa gigantesca. Vai à
escola de Benito Arnaud, seu cunhado. Apesar do esforço de ambos, os
progressos são escassos. O cunhado tenta dissuadi-lo. E informa disso a
mãe de Marcelino. Apesar das dificuldades, ele persiste e aprofunda sua
vocação. Reza com freqüência a São Francisco Regis e vai com sua mãe
ao santuário mariano de La Louvesc. A decisão é irrevogável: "Quero ir
para o seminário. Terei êxito em meu propósito, já que Deus me chama".
O caminho do sacerdócio
Marcelino ingressa no Seminário Menor de Verrières. Ao início, não se
comporta bem e é convidado pelo reitor a ficar em casa e não voltar ao
Seminário. Marcelino passa por maus momentos. Supera esta etapa com a
ajuda direta da mãe – que falecerá ao completar Marcelino 20 anos – e
orienta as energias em função de seu projeto de vida. Luta
ardorosamente para conseguir a ciência e a piedade. Seu comportamento,
avaliado como "regular" no sexto ano, progride até obter a
classificação de "muito bom ". É nomeado vigilante de dormitório. Esta
tarefa intensifica seu sentido de responsabilidade e lhe permite
subtrair horas de sono para dedicá-las ao estudo.
Realiza
progressos notáveis em sua piedade e na ação apostólica entre os
companheiros, dois dos quais se inscrevem nas páginas da História: João
Cláudio Colin, fundador e superior geral da Sociedade de Maria, e João
Maria Vianney, o santo Cura dArs. Anima os desestimulados. Suas
resoluções de retiro, que terminam com uma oração, são seu documento
autográfico mais antigo. Além de esforçar-se por uma vida espiritual
mais intensa e profunda, promete ao Senhor "instruir os que ignoram
teus divinos preceitos e ensinar o catecismo a todos sem distinção de
ricos e pobres". Durante as férias, assim procede reunindo as crianças
de sua aldeia.
Marcelino entra no Seminário Maior de Lião,
dirigido pelos sulpicianos, com 24 anos. O escudo de armas do seminário
é o monograma mariano que, anos mais tarde, será adotado pela
Sociedade de Maria em geral e pelos Pequenos Irmãos de Maria em
particular. Os três anos de Teologia, preparatórios à ordenação
sacerdotal, constituem um tempo privilegiado para o fervor, a madureza,
a amizade, o ideal apostólico e os projetos de fundação. Os anos
anteriores a sua ordenação sacerdotal lhe servem para realizar três
tarefas: sua maturação humana e espiritual, a aquisição de um nível
satisfatório em seus estudos – partindo de uma base acadêmica quase
inexistente, fato que aumenta suas dificuldades e põe à prova sua
constância – e a amizade com o grupo de companheiros, estimulados pelo
amor à Virgem e tendo em vista o desejo partilhado de fundar uma
congregação religiosa.
Ingressa um novo seminarista: João Cláudio
Courveille que afirma ter sido curado milagrosamente em 1809 e ter
ouvido, em Puy, uma voz interior que o impele a fundar a Sociedade de
Maria. Junto a ele, é constituída uma equipe de seminaristas para esta
finalidade. Marcelino, recrutado pelo próprio Courveille, está entre
eles. Uma certa clandestinidade e o ideal de um projeto esperançoso
enchem de entusiasmo suas reuniões. O projeto compreende padres (e
irmãos leigos), irmãs e ordem terceira. No entanto, Marcelino tem suas
preocupações particulares: quer fundar uma congregação para o ensino. A
necessidade imperiosa de educação naquele momento histórico e a
lembrança do que lhe havia custado instruir-se subjazem em sua decisão:
"precisamos de irmãos". Sua proposta não encontra eco no grupo por não
estar previsto no projeto inicial. Mas ele insiste: "Precisamos de
irmãos". Finalmente, concordam em que ele o realize: "Encarregue-se
você dos irmãos já que a idéia é sua". Cláudio Maria Bochard, um dos
vigários gerais, também alimenta desejos de fundar sua congregação e
verá no projeto de Marcelino uma ameaça ao seu.
No dia 22 de
julho de 1816, Marcelino é ordenado sacerdote junto com muitos de seus
companheiros de seminário e de projeto fundacional. Doze deles,
Marcelino entre eles, sobem em peregrinação ao Santuário Nossa Senhora
de Fourvière para colocarem-se sob a proteção de Maria. Depois da
missa, João Cláudio Courveille lê um texto de consagração que pode ser
considerado o primeiro ato oficial, embora de caráter privado, da
Sociedade de Maria, assim como a data de fundação. As tarefas pastorais
os dispersaram pela imensa diocese de Lião.
Com os olhos abertos
Marcelino antecipa a metodologia do "ver, julgar e agir". Anos mais
tarde, em carta dirigida à rainha Maria Amélia, recorda sua época de
coadjutor em La Valla: "Elevado ao sacerdócio em 1816, fui enviado a um
município da região de Saint-Chamond (Loire). O que vi com meus
próprios olhos nesta região, no tocante à educação dos meninos e
adolescentes, me relembrou as dificuldades que eu também tive em minha
infância por falta de educadores. Apressei-me, portanto, em levar a
efeito o projeto que tinha de formar uma associação de irmãos
educadores para os municípios pobres, rurais onde, na maioria dos casos,
a penúria não permitia haver Irmãos das Escolas Cristãs. Dei, aos
membros desta nova associação, o nome de Maria, persuadido de que só
este nome já atrairia grande número de alunos. Um êxito rápido, apesar
da falta de recursos materiais, justificando minhas conjecturas,
superou minhas esperanças […]. O governo, ao nos autorizar, facilita,
de maneira singular, nosso desenvolvimento. A religião e a sociedade
obterão grande proveito com isso".
Quando chega a La Valla, ao
divisar o campanário da Igreja, prostra-se de joelhos e confia ao
Senhor e a Maria, que a chama de Boa Mãe, sua tarefa apostólica. La
Valla está encravada numa bela paisagem da zona montanhosa do Pilat. A
paróquia está abandonada, lamentavelmente. Para renová-la, traça uma
regra de vida pessoal. Concede importância à vida de oração, ao estudo
diário da Teologia e à preocupação pastoral: "Procurarei,
especialmente, praticar a mansidão e, para levar mais facilmente as
almas a Deus, tratarei com suma bondade a todos".
A mudança só
será possível a partir do estudo da realidade paroquial. Não demora em
fazê-lo. O abandono em que se encontram os meninos acentua seu cuidado
por eles através da catequese, da educação e da instrução. Seu trato
afetuoso dá preferência à recompensa e ao estimulo antes que ao
castigo, praticamente não utilizado por ele. Demonstra suas atenções
para com os adultos por meio de homilias e pelo sacramento da
confissão. No entanto, seus privilegiados são os enfermos e os pobres.
Um jovem, João Maria Granjon, trava amizade com Marcelino e o acompanha
em algumas de suas visitas aos doentes. Será o primeiro irmãozinho de
Maria. O uso deste diminutivo, para Marcelino, tem uma profunda
conotação espiritual de simplicidade e humildade. Um fato ocorrido no
dia 28 de outubro de 1816 é decisivo para concretizar seu sonho. Atende
um jovem de 17 anos, chamado João Batista Montagne, moribundo, na zona
de Palais. Impressiona-o profundamente suas carências a respeito da
vida. Dá-se conta da ignorância que ele tinha dos mistérios da fé.
Horas depois, o jovem falece. Champagnat não pode mais ficar de braços
cruzados. Naquele mesmo dia comunica a João Maria Granjon seus projetos
e o papel que ele, João Maria, poderia desempenhar. É urgente
realizá-lo. A proposta de Marcelino sobre a necessidade de irmãos
adquire caracteres dramáticos. Cinco dias depois aparece-lhe um jovem,
João Batista Audras, para expor-lhe suas inquietudes vocacionais.
Marcelino propõe-lhe vir viver com João Maria Granjon.
Fundador dos Irmãos Maristas
Já tomou conhecimento do suficiente. Em seu interior ressoam as
palavras de Maria: "Fazei tudo o que ele disser" e passa decididamente à
ação. Tem 27 anos e nem sequer passaram seis meses de sua ordenação
sacerdotal. No dia 2 de janeiro de 1817, João Maria Granjon, com 23
anos, e João Batista Audras, de 14 anos e meio, ocupam a pequena casa
que Marcelino alugou em La Valla. Entremeiam oração, trabalho e estudo.
Sua ocupação manual consiste na fabricação de pregos, para, com isto,
prover a sua manutenção. Marcelino dá-lhes lições de leitura e escrita e
zela por sua formação de religiosos educadores. Novos jovens
incorporam-se ao projeto, entre eles Gabriel Rivat (Irmão Francisco) que
será o primeiro superior geral.
Depois de preparar adequadamente
os irmãos, funda uma escola em Marlhes. O irmão Luís é seu primeiro
diretor. Apesar de sua juventude e inexperiência, o resultado obtido em
tão pouco tempo torna-se patente a todos. Técnicas elementares
alimentam todo um estilo educativo, proporcionado por Marcelino:
partilhar a vida com os jovens, amá-los e conduzi-los a Jesus sob a
proteção maternal de Maria. As fundações se sucedem de forma paulatina
mas constante. As vocações não são suficientes para atender aos
numerosos pedidos de abertura de novas escolas.
Toda pessoa que
progride humana e espiritualmente passa sempre por uma "noite escura"
que lhe serve de purificação em suas motivações e de embasamento na
essência de sua fé e de sua vida. Alguns setores da sociedade não vêem
com bons olhos os projetos do fundador, sua persistência em levá-los a
bom termo e sua freqüente ocupação em trabalhos manuais. Recebe censura
de Bochard, que o deixa entregue à própria sorte. Marcelino
entrevista-se com o vigário geral da arquidiocese. Põe-no a par de sua
comunidade e pede-lhe o parecer sobre a obra, declarando-lhe que está
disposto a deixar tudo se ele achar que esta é a vontade de Deus.
Põe-se à sua disposição para ser transferido, se for o caso. Esta
atitude elimina todas as reservas de seus superiores.
A escuridão
da noite tem também raios de luz. Sua confiança na "Boa Mãe" lhe
permite encontrar um refúgio seguro em meio a uma tempestade de neve ao
visitar um irmão enfermo. Ante a escassez de vocações, sua confiante
oração à Virgem encontra uma resposta inesperada com a chegada de oito
aspirantes. Uma mudança na cúria diocesana, com a substituição de
Bochard, anima sua fundação e recebe autorização para adquirir nova
casa. Ajudado economicamente por Courveille, compra, a baixo preço, já
que é terreno rochoso, uma propriedade às margens de Gier.
Uma casa edificada sobre rocha
A construção é feita em condições muito duras, suavizadas pela
piedade e relações fraternas, o que permite que se realize em menos de
meio ano. As pessoas da vizinhança ficam assombradas, já que as
dificuldades oferecidas pelo pedregal são enormes. Vêem o jovem
sacerdote arremangar a batina e carregar as pedras mais pesadas. Gostam
de ouvir, ao passarem pela estrada, os cantos da comunidade. Trata-se
de uma casa edificada sobre rocha: Nossa Senhora de LHermitage.
O
ano de 1825 é uma das épocas mais angustiosas, porque entrecruzam-se
problemas legais e financeiros, a par de sua enfermidade e as intrigas
de Courveille, que passa a morar com ele em LHermitage. Apesar de tudo,
Marcelino confia em Maria, seu recurso ordinário.
A autorização
legal do Instituto é um problema que não será resolvido em vida.
Procura, sem encontrá-la, uma solução definitiva e convincente. Isto
custa-lhe dores de cabeça, tramitações burocráticas, visitas e viagens.
Entretanto, preocupa-se muito mais de sua obra que de sua legalização.
Courveille considera-se o superior dos irmãos e procura seu
reconhecimento: as manobras e a política à socapa encontram
resistência. Consegue submeter, à votação, a escolha de superior, porém
os irmãos escolhem Marcelino, que encara, com profundo espírito de fé e
humildade, as intrigas de seu companheiro de sacerdócio. Inclusive,
Marcelino chega a propor uma segunda eleição, depois de sugerir aos
irmãos que as pessoas que o cercam são mais qualificadas do que ele.
Ganha outra vez quase a unanimidade.
É admissível que estes
acontecimentos o façam sofrer muito, embora nada exteriorize.
Courveille, respeitado e considerado por Marcelino como superior do
grupo de congregações maristas, não reconhece o resultado e passa a um
ataque quase frontal por meio de cartas, práticas e argumentação com o
fim de persuadir. Esta situação angustiosa e o enfraquecimento de sua
saúde, devido a suas numerosas viagens para visitar as comunidades,
colégios e moribundos, em condições climáticas adversas, lançam
Marcelino no leito da enfermidade, de tal forma que, em poucos dias,
perde-se toda a esperança de salvá-lo. O Instituto está em perigo de
desaparecer. Sobrevem o desalento. A forma de governo empregada por
Courveille, com medidas impositivas e drásticas, contrasta com o estilo
de Marcelino com o qual estavam acostumados: retidão e bondade. As
águas voltam, lentamente, ao seu leito. Continuam, porém, em tom menor,
as agitações de Courveille, que abandona LHermitage e retira-se para a
trapa de Aiguebelle.
Um estilo de educação baseado no amor e na exigência
Marcelino quer que os irmãos maristas sejam de categoria única e que
não haja distinção de classe entre eles. Constitui, este projeto de
fraternidade, um sinal se antecipação e de progresso. A trajetória
pessoal de Marcelino Champagnat e sua postura frente aos eventos mais
relevantes da história permitem observar que sua obra está nascendo
adaptada aos tempos modernos. Nas fundações, sempre pede autorização à
hierarquia religiosa e ao poder civil. Demonstra, assim, sua vontade de
"educar bons cristãos e bons cidadãos". Embora muitos fundadores
procedam de famílias conservadoras, Marcelino vive, desde sua infância,
o pulso da Revolução e de mudança. Outros estão contra o governo; ele
quer colaborar. Um deputado do Parlamento explica esta atitude: "nunca
funda sem o beneplácito da autoridade pública". Assim procedendo evita
conflitos. Mantêm-se sempre à margem da política de partido e dentro das
orientações da Igreja.
Marcelino desperta nos irmãos atitudes
educativas. Em vez da circunspecção, sugerida como primeira virtude de
um educador em outras congregações de ensino, Marcelino propõe a
singeleza e a bondade, a autenticidade e a abertura. Insiste também no
espírito de família, na benevolência, na devoção a Maria, expressa mais
em atos do que em palavras, no trato bondoso dos alunos, no espírito de
trabalho e no ideal de educação religiosa bem profunda que deve
sublinhar a relação com Deus na confiança. Estas qualidades configuram
uma modalidade educativa peculiar.
Não se trata de uma revolução
nos métodos pedagógicos, cuja importância não se discute, mas de uma
forma de enfocar a vida, de visualizar a educação, de orientar as
pessoas, de conduzir a madureza… Trata-se de atitudes profundas, a cujo
conjunto chamamos de estilo. Por isso, não é de estranhar que os
pedidos de abertura sejam sempre superiores às possibilidades de
aceitá-las. A dedicação chega, inclusive, a superar as deficiências que
porventura pode haver em nível acadêmico.
Diz com freqüência:
"Não posso ver uma criança sem que me assalte o desejo de ensinar-lhe o
catecismo e dizer-lhe o quanto Jesus Cristo a ama". Sente a
necessidade de educar a fé através da cultura: "Se se tratasse apenas de
ensinar a ciência profana aos meninos, os irmãos não fariam falta;
seriam suficientes os professores para esta tarefa. Se pretendemos
apenas dar-lhes instrução religiosa, limitar-nos-ía-mos a ser apenas
catequistas, reunindo-os uma hora diária para fazê-los recitar a
doutrina. Porém, nossa meta é bem superior: queremos educá-los, isto é,
dar-lhes a conhecer seus deveres, ensinar-lhes a cumpri-los,
infundir-lhes espírito, sentimentos e hábitos religiosos, fazê-los
adquirir as virtudes de um bom cristão. Não conseguiremos isto se não
formos pedagogos, se não vivermos com as crianças e sem que elas
estejam muito tempo conosco". Tudo isto constitui um projeto de educação
integral a partir de uma ótica cristã.
O estilo educativo de
Marcelino mergulha suas raízes em sua espiritualidade. O amor a Jesus e
a Maria é a fonte inspiradora de sua pedagogia. Seu lema é: "Tudo a
Jesus por Maria; tudo a Maria para Jesus". Não adere, por exemplo, às
influências de seu tempo no tocante aos castigos corporais, muito
freqüentes naquela época. Sua contribuição pedagógica e educativa
centra-se na visão religiosa da vida e das pessoas, num profundo
sentido comum, na capacidade prática de enfrentar as diversas situações
que se apresentam, na pedagogia da presença, como a melhor forma de
prevenção, e de preferência pelos mais pobres e abandonados.
Um projeto de vanguarda
Outras instituições religiosas exigiam de seus membros que fossem de
três em três para formar uma comunidade e que cobrassem mensalidades
determinadas. Marcelino, com o propósito de chegar a cobrir as
necessidades mais urgentes, permite que vão dois a dois; admite,
inclusive, a possibilidade de ir só um irmão, porém com o dever de
reunir-se e conviver em comunidade com outros. Pergunta-se: Diante da
impossibilidade em que se encontram tantos municípios rurais para suprir
as necessidades de mais de dois professores, dever-se-ia vacilar entre
deixá-los sem meios de educação ou então ministrá-la por meio de dois
irmãos, apesar de oferecerem menos garantias que três ? Seria
interessante para a religião e para a sociedade que se duvidasse disso?
Seu ardor apostólico não tem fronteiras. Não quer que a falta de
recursos econômicos seja impedimento para que os meninos recebam
educação. Por isso, esforça-se por diminuir os custos por meio de
trabalho na própria horta, de cobrança de alguns alunos e da volta dos
irmãos a LHermitage quando a escola não funciona.
Marcelino
Champagnat vive a mística na ação. "Se o Senhor não edifica a casa, em
vão se cansam os construtores", é seu salmo preferido. Nele, os fatos
que brotam de uma espiritualidade apostólica profunda falam mais que as
palavras. Seus escritos são raros, uma centena de cartas, pouco mais.
Impelido pelo espírito e pela necessidade, prepara alguns jovens para
realizar um projeto de educação cristã dentro de uma vida religiosa
laical. Quando a vida lhe vai diminuindo e novos membros solicitam
ingresso em seu Instituto, convence-se de que deve proporcionar-lhe uma
Constituição. A ação antecipa-se à palavra. As normas surgem da
experiência. Os irmãos maristas herdarão sua espiritualidade mariana e
seu estilo pedagógico, a singeleza de trato e seu dinamismo apostólico
em favor dos meninos e dos jovens, especialmente os mais desassistidos.
Marcelino: um coração sem fronteiras
Marcelino envia irmãos à Oceania, ansioso por poder ir também com
eles porque sente profundo espírito missionário, porém deve ir a Paris
para pleitear a legalização do Instituto. Sua vida espiritual alcança
grau relevante: "Encontro-me tão unido a Deus nas ruas de Paris como
nos bosques de LHermitage". Diante das dificuldades da autorização
legal, reage assim numa carta: "Tenho sempre uma grande confiança em
Jesus e Maria. Conseguiremos nosso objetivo, não tenho dúvidas, apenas
não sei quando… Não esqueça de dizer, a todos os irmãos, quanto os amo e
quanto sofro por estar longe deles…"
Vai chegando o momento
decisivo, sua saúde não permite ter muitas esperanças. Realiza a
eleição de seu sucessor como superior geral. Os irmãos elegem em 1839 o
Irmão Francisco. A vida do Instituto segue um ritmo trepidante com
numerosas vocações que se apresentam. Ainda encontra tempo e energias
para pregar um retiro a alunos. Sua piedade e bondade que transparecem
em seu rosto, marcado pela fraqueza e pela dor, conquistam o coração de
todos eles, que exclamam: "Este sacerdote é um santo". Deus está com
ele. Deixa resolvidos todos os assuntos temporais, para o que recorre a
um notário, já que as propriedades da congregação estão em seu nome.
Dita seu testamento que distila uma espiritualidade altíssima e uma
sensibilidade apurada. Duas frases: "Oxalá se possa afirmar dos
Irmãozinhos de Maria o que se dizia dos primeiros cristãos: vede como
se amam… É o desejo mais vivo de meu coração nestes últimos instantes
de minha vida. Sim, meus queridos irmãos, escutai as últimas palavras
de vosso Pai que são as de nosso amado Salvador: amai-vos uns aos
outros; e uma terna e filial devoção a nossa boa Mãe vos anime em todo o
tempo e circunstância. Fazei-a amar em toda parte tanto quanto vos
seja possível". Jesus, Maria e José encontram-se no centro de seu
coração e de sua oração. No sábado, 6 de junho de 1840, vigília de
Pentecostes, pouco antes do amanhecer, Marcelino entrega sua alma a
Deus na idade de 51 anos. A realidade que deixa é evidente mas seu
projeto é ainda mais ambicioso: "Todas as dioceses do mundo entram em
nossos planos". Hoje quase 5.000 irmãos maristas e numerosos leigos
realizam o carisma de Marcelino em 75 países.
No dia 29 de maio
de 1955, Marcelino ocupa a glória de Bernini, por ocasião de sua
beatificação, sob o Pontificado de Pio XII e, no dia 18 de abril de
1999, Marcelino é canonizado pelo Papa João Paulo II. Este Papa, no dia
20 de setembro de 2000, ano do Grande Jubileu, benze a escultura de S.
Marcelino Champagnat que passa a fazer parte dos santos fundadores de
ordens religiosas, representados na Basílica de São Pedro.
Fé e amor esculpidos para sempre
Traços de são Marcelino na escultura de Deredia
A escultura reflete a fortaleza e a decisão de Marcelino, que leva
sobre seus ombros o peso da infância com ternura e delicadeza. Estas
suas atitudes antropológicas adquirem toda sua dimensão cristã pela
força da cruz que sustenta com sua mão esquerda. As crianças,
especialmente os pobres e marginalizados, precisam de uma relação
educativa que lhes proporcione segurança e amor. Assim o entendeu
Marcelino e assim o irradia a estátua, com reminiscências da imagem do
Bom Pastor. O jogo de pés e mãos traduzem a trama afetiva, que é o
terreno preparado para receber a Palavra de Deus e a ação educativa. A
criança sobre os ombros se apoia na cabeça do Santo adquirindo uma
perspectiva superior para ver a vida e seu pé descansa seguro na mão
direita de Marcelino. Por outra, a figura inferior do grupo escultórico
se apoia no pé de Champagnat, como referência pessoal, enquanto o
livro aberto aponta as oportunidades educativas de que goza e seu olhar
vai configurando um modo próprio de ver a vida.
A humildade e a
simplicidade de Marcelino se expressam através da mensagem da estátua.
Não há sobrecarga de elementos senão traços essenciais. A escultura
permite observar o mistério mais sublime da fé cristã ao representar a
unidade do amor na trindade de pessoas. Todo o mais é acidental. A obra
não pode ser diferente. Descreve em cada sinal o retrato do personagem
e cada volume harmoniza com o conjunto. A luz esvai-se suave e cândida
sobre a roupagem sem alterar aquela unidade com o universo que Miguel
Ângelo e Marcelino sonharam.
Fonte;https://champagnat.org/pt/marcelino-champ/sao-marcelino-champagnat/